Ao ver o presidente da nossa vizinha Argentina entregar uma motosserra – um de seus símbolos de campanha – a um dos maiores empresários e agora gestor público nos EUA, fui imediatamente remetido a um dos personagens mais emblemáticos da mitologia grega. Não que eu tenha associado a excentricidade de Javier Milei a um facínora ou vinculado o ar misterioso de Elon Musk ao de um assassino sombrio, mas a motosserra evocou em mim a narrativa do temido "Leito de Procusto".
Procusto foi um bandido da mitologia grega que, de maneira ardilosa, oferecia hospedagem a viajantes em sua casa, na Serra de Elêusis. Generoso à primeira vista, cedia aos hóspedes uma cama supostamente confortável para descansarem da jornada. No entanto, por trás da aparente hospitalidade, escondia-se um ritual macabro: durante o sono profundo os viajantes eram amarrados, e aqueles que ultrapassavam o tamanho da cama eram serrados; já os menores eram brutalmente esticados até que se ajustassem ao móvel. Se olharmos com os olhos de hoje, poderíamos até diagnosticar Procusto com um sórdido transtorno obsessivo-compulsivo - TOC, aliado a uma psicopatia mórbida – para ele, todo hóspede precisava caber em seu padrão arbitrário.
A riqueza dos mitos está justamente na possibilidade de extrairmos diferentes lições deles, sem nos prendermos a interpretações rígidas ou dogmáticas. A parábola da "Cama de Procusto" nos ensina, acima de tudo, sobre a tentativa em que certos indivíduos tem, em querer moldar nas pessoas um padrão moral, ético ou ideológico pré-estabelecido, impondo um formato forçosamente.
Essa alegoria se mantém assustadoramente atual. No mundo corporativo, na política e até no dia a dia, não é raro nos depararmos com situações semelhantes. Há casos em que a brutalidade e o terror descritos pela mitologia se fazem presentes de forma literal.
Muitas pessoas, exaustas da jornada e vulneráveis a promessas tentadoras, também, acabam seduzidas por falsas garantias de um acolhimento. No final, pagam o preço do conformismo e da busca por uma zona de conforto ilusória. Nossos avós, sempre sábios e desconfiados de gregos e troianos, já nos alertavam sobre esses perigos com uma máxima certeira: "Quando a esmola é demais, o santo desconfia."