Haverá sempre quem estimule o choro, com o propósito de vender os lenços

Por Maurício Lopes

Qual ramo da atividade econômica aparentemente está a pleno vapor no Brasil? Onde um brasileiro que deseja investir suas economias deveria apostar, se levasse em consideração os temas mais recorrentes e demasiadamente abordados nos noticiários de TV, nas páginas da internet, nas rodas de conversa e no horário nobre das emissoras? E se um investidor estrangeiro, entusiasta da economia brasileira e empresário de visão holística, atento aos assuntos mais debatidos, resolvesse aplicar em um ramo baseado no que está em voga nas redes sociais em suas mais diversas nuances, nos jornais eletrônicos do país e, principalmente, nos programas televisivos de cunho policial que dominam os mais variados meios de comunicação?

Recentemente, acometido por uma virose típica dos períodos chuvosos de águas de março que fecham verão, tentei me desligar dos temas nefastos que infestam os noticiários. Entre manchetes como "Novo julgamento do acusado de matar e retirar feto", "Vigilante morto por defender um cachorro" ou "Prisão de suspeito de empurrar amigo de um penhasco e tentar estrangulá-lo", busquei um instante de distanciamento enquanto convalescia. Foi quando ouvi batidas em meu portão. O ritmo e o intervalo das pancadas denunciavam um visitante em busca de comissão de vendas. Era uma vendedora, que havia descoberto o timing perfeito para me visitar: "O senhor já tem plano funerário?" Sem conter a tosse persistente, respondi: "Desculpe, mas não pretendo morrer agora." Pela expressão dela, talvez tenha pensado que eu não demoraria a precisar dos serviços.

João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina, capturou a dureza da existência sertaneja, onde a morte chegava cedo, “matando de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia”. Hoje, a severidade mudou de rosto, mas não de presença. A fome, a velhice e a emboscada daquela poesia parecem tímidas diante das estatísticas que pulsam nos noticiários, recheados de execuções sumárias, crimes passionais e chacinas cotidianas. A morte, que antes era desfecho, agora é espetáculo — não apenas choca, mas gira engrenagens, alimenta manchetes, sustenta mercados e, sem pudor, movimenta a economia.

Estudiosos do cangaço frequentemente se deparam com um debate intrigante: os crimes de morte cometidos na era de Lampião eram mais cruéis e horripilantes do que os atuais? Parece que não! Hoje, a questão se estende para outra reflexão: as atividades que orbitam em torno das mortes violentas no Brasil já se consolidaram como um setor econômico altamente lucrativo? O capitão João Bezerra, comandante das forças policiais que puseram fim ao reinado de Lampião em 1938, autor do livro Como Dei Cabo de Lampeão, denunciou à época que era constantemente ameaçado por setores da sociedade que lucravam com os crimes do cangaço que ele exterminara. Ou seja, as mortes precisariam continuar para que o lucrativo negócio no sertão nordestino seguisse prosperando.

Não é de se estranhar que a história se repita na atualidade, sob novas roupagens e mecanismos bem mais sofisticados. Se a economia deve girar, há aqueles que se beneficiam direta e indiretamente da engrenagem macabra da violência cotidiana. Apesar de defender e acreditar no pleno funcionamento do comércio em todas as áreas, é inevitável questionar se a criminalidade organizada já transcendeu seu propósito destrutivo para se tornar um negócio bem estruturado - a exemplo de tantos outros em que já atua - também nesse segmento. Em 2024, mais de 39 mil pessoas foram assassinadas nos mais diversos rincões do Brasil, das formas mais horripilantes que se possa imaginar.

Assim, permitindo-me recorrer mais uma vez e, ao mesmo tempo corromper João Cabral de Melo Neto, diria que não é apenas a moça do plano funerário que segue a sina dos que tentam amealhar dividendos fazendo da morte ofício ou bazar. A impressão que se tem é que, sendo aqui a morte tanta, há outros que também, vivem de a morte ajudar.