Nos últimos tempos, tenho percebido um padrão curioso na forma como certos temas ganham espaço na pauta midiática nacional. Sempre que um acontecimento peculiar surge, três segmentos rapidamente se formam nas redes sociais, rompendo momentaneamente o “status quo” da polarização política que domina o debate público. Primeiro, há os que reagem com humor, transformando qualquer novidade em piadas e memes, dando ao episódio um tom jocoso. Depois, vêm os que analisam o fenômeno comedidamente, guiados pelo bom senso e pelo que dizem os especialistas. Por fim, surgem os adeptos da teoria da conspiração, que enxergam em cada fato inusitado, como o do aparecimento repentino do peixe das profundezas oceânicas, um prenúncio de catástrofe iminente.
No caso do Peixe Diabo Negro, a reação foi típica: enquanto alguns espalhavam uma miríade de brincadeiras virtuais, dentre elas rotulando o pobre animal como o mais feio dos oceanos, os conspiracionistas logo vaticinaram que seu surgimento era um presságio do fim dos tempos, previsto — segundo suas contas apressadas — para dentro de um mês. Já os mais prudentes preferiram ouvir os cientistas, que alertaram: trata-se de um evento raro, ainda sem explicação definitiva, mas que certamente exige investigação. Afinal, é incomum que uma criatura acostumada a viver sob pressões abissais, a mais de 2 mil metros de profundidade, apareça de repente na superfície.
O Peixe Diabo Negro emergiu incontinenti das profundezas do oceano. Criatura pouco conhecida dos terráqueos que vivem além-mar, rapidamente tornou-se parte do anedotário virtual. Foi ridicularizado, espezinhado, dando uma trégua ao café brasileiro, que até então era o alvo principal do “bullying” nacional, castigado pela frequência com que cada vez menos se faz presente no bule do assalariado pelos rincões do país. Seu aparecimento ligado a hecatombe humana se somou a uma previsão atribuída a Isaac Newton, que segundo alguns sites calculou esse evento para 2060. No entanto, o fenômeno deve ser analisado com calma e equilíbrio, pois, da mesma forma quando um executivo atabalhoado assume uma empresa, isso não significa falência imediata, mas já acende um alerta vermelho. Um governo com rejeição acima da média não configura, necessariamente, um cenário apocalíptico, mas sinaliza que pode estar havendo algum problema de gestão. E quando os meteorologistas avisam que a sensação térmica no Rio de Janeiro atingirá níveis superiores aos suportados pelo corpo humano, isso não significa que haverá pessoas derretendo no calçadão de Copacabana — mas convém levarmos todos esses avisos a sério.
Diante das reações que oscilaram entre a ironia dos céticos e o pavor dos alarmistas, é tentador retocar o velho clichê: o mar não está para peixe — e talvez nem mesmo para o Diabo Negro. Quem sabe, ao emergir das profundezas abissais, o pobre animal buscava um refúgio mais ameno, no entanto acabou dando com os burros n’água. Mal sabia ele que o verdadeiro abismo não está nos recônditos do oceano, e sim na superfície, aonde entre intrigas, caos, roubos de toda a monta e temperaturas extremas, a humanidade afundou seu próprio habitat em níveis insuportáveis e insuperáveis. No fim das contas, erramos ao batizar o peixe abissal de diabo. O equívoco não atingiu apenas o ser, mas também a localização do que chamamos de profundezas escuras e inabitáveis. O inferno é aqui, e o Peixe Diabo Negro não tem nada a ver com isso!