Um levantamento divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança revela que 74,1% das pessoas mortas pela polícia no Piauí em 2023 eram negras. O índice, embora menor que o registrado em 2022 (88,2%), permanece alarmante, destacando a vulnerabilidade dessa parcela da população em situações de violência policial. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e integram o boletim Pele Alvo: Mortes Que Revelam Um Padrão.
No âmbito nacional, o estudo apontou que, em 2023, 4.025 pessoas foram mortas por policiais no Brasil. Em 3.169 desses casos, havia registros de raça e cor: 2.782 vítimas eram negras, representando 87,8% do total. Estados como Pernambuco (95,7%), Bahia (94,6%) e Pará (91,7%) apresentaram índices ainda mais altos de vítimas negras.
O antropólogo e especialista em segurança pública, Arnaldo Eugênio, analisa que o padrão evidenciado pelos dados reflete a permanência do racismo estrutural e sistêmico nas práticas do Estado brasileiro. Para ele, os números demonstram que a violência policial contra a população negra não é apenas circunstancial, mas fruto de uma estrutura social e institucional que reforça desigualdades.
“É falsa a justificativa de que morrem mais negros por intervenções policiais porque são maioria da população. O que está em jogo é o racismo estrutural presente nas práticas estatais, e isso vai além das polícias”, avalia Arnaldo.
Ele também destaca o preconceito incutido no imaginário social, que associa negros e pobres, especialmente os que vivem na periferia, à criminalidade. “Essa premissa preconceituosa ignora que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, por exemplo, geralmente não são cometidos por negros, pobres ou pessoas das periferias”, afirma.
Naturalização da violência institucional
Outro ponto levantado por Arnaldo é a tendência de naturalizar a morte de negros em operações policiais. “No Brasil, a morte de negros em intervenções policiais é tratada como algo normal, quando, na verdade, isso reflete uma violência institucionalizada e sistemática”, explica o especialista.
Ele argumenta que o racismo, além de ser uma forma de violência física, também se manifesta simbolicamente, reforçando a desigualdade étnica e justificando a marginalização da população negra.
Os números do boletim reforçam a necessidade de ampliar o debate sobre a violência policial e suas consequências para a população negra. Eles também levantam questionamentos sobre o papel das instituições na perpetuação do racismo e evidenciam a urgência de políticas públicas voltadas para a equidade racial e a garantia de direitos.
Enquanto o Estado piauiense e outros com altos índices de mortes negras por intervenção policial enfrentam esses desafios, especialistas, como Arnaldo Eugênio, alertam para a importância de reconhecer e combater as raízes históricas do racismo estrutural. “É preciso mudar essa realidade com ações que promovam igualdade e respeitem a vida de todos os cidadãos, independente de raça ou cor”, conclui.