Segunda, 31 de março de 2025, 23:47

Xadrez na Política

COLUNA

Um golpe na ficha limpa

Por Arnaldo Eugênio, doutor em Antropologia.

Nos últimos dias, o Congresso Nacional brasileiro pôs em pauta a discussão de uma proposta que trata de mudanças intencionais na legislação eleitoral, previstas na “Lei da Ficha Limpa”. A principal mudança é reduzir a pena de inelegibilidade de políticos – de oito para dois anos – por crimes comuns ou cassados por pares durante o mandato.

Porém, diante da pressão popular o projeto foi, momentaneamente, retirado da pauta de votação e ainda não há uma previsão de quando será retomada. Contudo, o projeto, já está aprovado pela Câmara dos Deputados, ou seja, trata-se de um “sim” para a corrupção, o abuso de poder econômico e o bandalho como base para se tornar um parlamentar no Congresso Nacional – na verdade, é um retrocesso político inominável e torpe.

Pois, é uma ação ardilosa que tenta jogar na lata do lixo, com descaramento e desprezo, décadas de lutas dos movimentos sociais para fomentar e consolidar a moralidade na política partidária, através da “Lei da Ficha Limpa” (ou Lei Complementar nº 135/2010). Assim, a redução da pena de inelegibilidade de políticos por crimes comuns ou cassados por pares durante o mandato é um incentivo escancarado à corrupção e à composição de um parlamento tipicamente de corruptos.

Logo, contrapondo-se a esse ode à corrupção será preciso mais do que perplexidade e indignação para frear o corporativismo e a corrupção, pois se a “mudança” for aprovada, ela valerá “inclusive em relação a condenações e fatos pretéritos”, ou seja, pessoas que atualmente estão impedidas de concorrer nas eleições – como, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de planejar, estimular e liderar os atos de 8 de janeiro contra os Três Poderes e o Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, a proposta de desfiguração da “Lei da Ficha Limpa” é explicitamente oportunista, que objetiva promover mudanças intencionais na legislação eleitoral, principalmente para minimizar a inelegibilidade por abuso de poder político e econômico. Ora, é, no mínimo, uma proposta política de caráter absurdo, imoral, inaceitável, indigno, antipopular e nefasto, que privilegia os criminosos, flexibilizando critérios para que candidatas e candidatos corruptos possam disputar uma eleição.

Desse modo, é uma tentativa de golpe contra a “Lei da Ficha Limpa”, que desde a sua criação tem impactado na vida política do país, proibindo a candidatura de pessoas que tiveram representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou dada por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso de poder econômico ou político.

Nesse sentido, a lei é essencial para prevenir a contaminação da política com corruptos, afastando do pleito as pessoas que não cumprem as regras de elegibilidade estabelecidas ou que se enquadram em alguma das causas de inelegibilidade previstas. Ademais, não é razoável que pessoas que tiveram contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas, por irregularidade insanável, tipificando ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, possam disputar as eleições.

Todavia, não é difícil perceber que, quando os interesses da classe política prevalece sobre os interesses do povo, a política torna-se um instrumento para produzir a maior quantidade de bem-estar à maioria dos parlamentares em detrimento do bem comum como ideal de justiça da sociedade brasileira.

Portanto, aceitar e/ou votar a favor da desfiguração da “Lei da Ficha Limpa” é compactuar com a corrupção eleitoral, a fé na desmoralização do Congresso e se auto-identificar com o cinismo político.

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