A desilusão na busca por ídolos modernos

Por que não precisamos de tantos heróis, mas de menos vilões em nossas vidas

Na imaginação criativa de alguns brasileiros, parece estar profundamente enraizada a missão de forjar heróis. Nos últimos anos, temos presenciado, quase que incessantemente, a projeção de pessoas que, em essência, estão apenas cumprindo suas funções, desempenhando com desenvoltura suas atividades cotidianas. Falo das mais variadas categorias: médicos, policiais, jornalistas, juízes, professores e até comediantes — profissionais que realizam com maestria suas obrigações e, de repente, irrompem como heróis.

As redes sociais, com o apoio da mídia em geral, são as principais responsáveis por essa exaltação de antigos, assim como pela criação de novos paladinos. Com frequência, deparamo-nos com ilustres desconhecidos que, de uma hora para outra, são cogitados para os mais variados cargos públicos, de vereador à presidência da República. Para mim, parece insensato criar heróis do dia para a noite — e mais ainda, transformá-los em gestores públicos. É uma ação temerária. Acredito que, em alguns casos, seja mais prudente que essas figuras permaneçam em seus cargos de origem, onde já demonstram competência, esmero e uma contribuição significativa para a sociedade. Alguns, às vezes, já até desenvolvem ações sociais, além de suas funções tradicionais. Se são bons no que fazem, devem se aprofundar em sua área raiz, em vez de serem alçados a posições para as quais podem não estar preparados. E, geralmente, quando “chegam lá”, acabam por nos decepcionar, nos fazendo perder um grande profissional e ‘ganharmos’ um mau administrador público.

Se porventura, algum “herói de ocasião”, resolva se sentir o centro dessa crítica e vista a carapuça como disfarce peço minhas escusas, porém, ao criticar a criação exacerbada desses atores, não estou defendendo a figura do político profissional como a única solução e não tenho a intenção de sugerir que a “velha raposa política” seja o modelo ideal de liderança, muito menos que devamos nos contentar com o establishment. O foco da crítica está na elevação precipitada de figuras que, muitas vezes, não têm preparo suficiente para lidar com a complexidade da gestão pública. Falo dos produtos forçados, engendrados com o objetivo de nos enganar. O ideal seria encontrar líderes que combinem competência técnica com integridade, sem a necessidade de mitificar pessoas que já fazem um excelente trabalho em suas áreas originais.

O renomado administrador e palestrante Stephen Kanitz, em seu artigo "A Relação Pais e Filhos", aborda o que chama de "Crise dos Pais Imperfeitos". Ele descreve a desilusão que acomete os adolescentes ao descobrirem que seus pais, outrora vistos como infalíveis, não são os heróis que a sociedade desenhou. Kanitz argumenta que essa decepção pode ser ainda maior se os próprios pais insistirem em passar a imagem de perfeição. Considero essa analogia bastante instrutiva e condizente com o que defendo. Desde cedo, devemos aprender a evitar expectativas irreais sobre pessoas ou situações. Afinal, todos somos de carne e osso.

Depois de tantas decepções nos últimos tempos, mantenho certo ceticismo em relação ao surgimento repentino desses "heróis". Evito elogios públicos a essas figuras, preferindo reservas, pois sempre acredito que, dependendo da situação, ainda haverá tempo para que nos desapontem. Admiração, sim, mas com cautela. Respeitar, claro, mas conceder o voto eletivo, somente após uma análise pormenorizada. Desconfie de quem aparece inopinadamente.

De agora em diante, a tendência é que o surgimento desses “influenciadores de voto” aumente ainda mais. Aparecerão supostos defensores dos fracos e oprimidos, donos de um heroísmo patranho. Pessoas que, antes de mais nada, possuem um arrivismo peculiar de quem só quer ascender financeiramente, mascarando suas reais intenções e com um falso altruísmo. É preciso ter prudência e analisá-los além das telas e dos 'cortes'.  O ideal seria que não precisássemos de tantos heróis, e sim de uma estrutura institucionalizada que impeça o aparecimento de tantos vilões. Seria melhor que não tivéssemos tanta sujeira para limpar; assim, não necessitaríamos de tantos postulantes para varrê-la. Como disse o “espirituoso” Chico Xavier: 'Ambiente limpo não é o que mais se limpa, e sim o que menos se suja.