Recentemente, li — com um misto de inconformismo e incredulidade — notícias sobre a situação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. E uma pergunta não me sai da cabeça, inquietando-me como Administrador que frequentou por sete anos as cadeiras do ensino de gestão — do técnico no antigo IFPI à especialização na Universidade Estadual do Piauí: como uma organização que por décadas dominou a arte de transportar encomendas no Brasil pode chegar à beira da bancarrota justamente no auge da era das compras online, quando o setor logístico vive um de seus momentos mais prósperos?
A resposta — ou a ausência dela — parece revelar muito mais do que um caso isolado: expõe as fragilidades de gestões públicas que, por vezes, parecem incapazes de administrar até uma mina de ouro em plena efervescência na Serra Pelada.
No último ano da faculdade, enquanto preparava meu Trabalho de Conclusão de Curso e comprar livros online fazia parte da minha rotina, desenvolvi uma certa implicância com os serviços de entrega dos Correios. Em um dia qualquer, aguardava ansiosamente dois volumes sobre Teoria da Decisão, tema sobre o qual discorreria. Pela manhã, recebi o primeiro. Chegou em uma van amarela novinha em folha, com dois funcionários uniformizados. O motorista desceu para abrir o furgão; o passageiro — com ar de chefe de repartição e um bigode meticulosamente aparado — vasculhou entre os pacotes até encontrar o meu. Ao me entregar, lançou um olhar severo, como quem não aguenta desaforo:
— Corrija seu CEP. Da próxima vez, sua encomenda vai voltar!
No mesmo dia, já passava das seis da tarde quando ouvi outra batida à porta. Era um senhorzinho simpático, montado numa motocicleta que parecia desafiar as leis da física. Carregava um jacá abarrotado de encomendas. Antes mesmo de me entregar o segundo livro, foi logo se desculpando pelo horário:
— Muita entrega hoje, moço. Ainda tenho que terminar tudo até antes do povo ir dormir...
Duas empresas do mesmo ramo, dois mundos diferentes, apesar de um mesmo CEP. Uma com pose de eficiência corporativa; outra, com o suor da entrega na unha. E eu, no meio, tentado a mudar o tema do meu TCC para: “Entre o Bigode e o Jacá: a dicotomia do atendimento público e privado no Brasil” — uma análise empírica, vivida na soleira da minha porta.
Os inúmeros casos de corrupção perpetrados por diversos governos ao longo dos anos têm sua parcela de culpa — e, por que não dizer, a maior delas — no processo de depreciação dos Correios em todos os sentidos. Operações com as mais variadas nomenclaturas — Entrega Segura, VAR, Mala Direta, Rota de Flandres, entre outras — fizeram da instituição um endereço frequente da Polícia Federal. Isso, creio, contribuiu sobremaneira para o desgaste público, o sucateamento dos serviços e, mais recentemente, para a previsão de emissão de 10 mil cartas de desligamento, somadas a um prejuízo de R$ 4,37 milhões somente no primeiro semestre deste ano.
E, por fim, ressurge a pergunta que teima em bater à porta da razão: o que preponderou a levar os Correios — essa instituição histórica e essencial para o desenvolvimento do Brasil — ao estado em que se encontra? Teria sido a corrupção que vire e mexe a corrói por dentro? As más gestões, entre um governo e outro? Ou foi aquele carteiro do meu bairro, que víamos quando crianças, fazendo plantão etílico enquanto as correspondências descansavam à sombra de um pé de manga de fiapo? Francamente, vai saber! No balanço das incertezas, é mais fácil tentar adivinhar os números da Mega da Virada ou opinar sobre quem vai ganhar a Libertadores de 2025 do que obter uma resposta convincente e definitiva.
Uma coisa, porém, é certa: o Mercado não tolera desaforos. E o boleto de todos os desmandos sempre chega ao endereço do destinatário que já se habituou a pagar a conta pelos desvarios da máquina pública — em qualquer governo: o contribuinte. E nem é preciso corrigir o CEP para encontrá-lo; há sempre um pagador de impostos simpático em cada esquina.