Correndo o dedo pela tela do celular, por duas vezes na semana passada me deparei com uma notícia curiosa, dando conta de que uma mulher nos Estados Unidos cometia crimes um tanto quanto inusitados. Ignorei-a nas duas oportunidades em que perlustrei a manchete, que dizia ser Susan Warren, uma americana que invadia casas com o fito de lavar louças sujas e depois se evadir.
O título, com aquele tom próprio de quem tenta fisgar leitores incautos ou navegadores contumazes, me levou a desconfiar de uma abordagem supostamente machista — ou, quem sabe, mais uma fake news disfarçada de meme, como se tornaram comuns nesses tempos de exacerbação das informações de todos os matizes que circulam nas redes sociais.
Na terceira aparição, considerei estar sendo vítima do tão decantado “algoritmo de recomendação” — esses bisbilhoteiros virtuais que farejam tudo o que buscamos na internet, para depois nos oferecer produtos e conteúdos alinhados às nossas preferências. Mas, peraí... não andei pesquisando nada sobre detergente, nem sequer cogitei lavar minha bike, que anda carecendo de uma geral. Resolvi, então, tirar a história a limpo e verificar a autenticidade da tal “Fada da Limpeza”, como foi alcunhada a mulher que entrava nas casas dos americanos e deixava os utensílios brilhando.
E lá estava ela, confirmada em diversos portais:
“Fada da Limpeza é presa novamente ao tirar neve da calçada do vizinho” (G1)
“Fada da Limpeza: mulher é presa ao invadir casas para dar faxina” (R7)
“Fada da Limpeza é presa por remover neve sem permissão” (ABC News)
Indo além da percepção psicológica — ligada à sanidade mental de indivíduos que cometem atos como esses — tento sempre extrair algo mais profícuo, que fuja do riso fácil e da inconsequência com que alguns tratam os que, claramente, enfrentam distúrbios. Busquei ir além da panela engordurada, do prato sujo ou do coador de café repleto de borra molhada. Portanto, tentei tirar do fato inusitado algum ensinamento.
Fiquei a imaginar o quão aprazível seria se todos os problemas que afligem os brasileiros pudessem ser resolvidos como um passe de mágica. Da noite para o dia, por uma “Fada da Limpeza Generalizada”, sem interesses escusos. Se a COP30 conseguisse varrer de vez o entulho climático que ameaça o planeta. Se as forças de segurança higienizassem a criminalidade que ceifa vidas todos os dias no Brasil. Se os órgãos de controle esfregassem com rigor a crosta de corrupção que insiste em conspurcar a gestão pública. Se uma única CPMI fosse capaz de esterilizar, de alto a baixo, a sujeira política entranhada em gabinetes.
Susan Warren adentrava durante a madrugada em casas americanas e deixava as louças reluzentes por sobre a pia. No Brasil, também é, invariavelmente, na calada da noite, que a sujeira é apenas empurrada para debaixo do tapete. A “Fada da Limpeza” encontra-se presa, acometida com o que eu mesmo acabei descrevendo como: Distúrbio de Higienização em Ambientes de Terceiros (DHAT). E quanto a mim, livre e supostamente sadio, sigo com meus Devaneios Delirantes de Sonhos de uma Noite de BR-O-BRÓ (DDSN-BR). Loucura! O melhor mesmo é voltar a correr o dedo na timeline do meu celular, ou talvez dar uma boa lavagem em minha bicicleta.