Hoje, a desvairada “necessidade de aparecer” na “sociedade do espetáculo” tem constituído o caráter – as qualidades, determinantes no comportamento social e/ou moral – de milhares de indivíduos. Trata-se de um estimulante ao ego – ter uma visibilidade fugaz –, que molda as atitudes e os comportamentos de muitas pessoas como parte da construção de uma subjetividade ou ao mundo interno dos indivíduos, envolvendo sentimentos, pensamentos, valores, ações, práticas, desejos, vícios, crenças, perspectivas etc.
A “sociedade do espetáculo” (Guy Debord, 1967), ou a ideia de produção de imagens, isto é, a valorização da dimensão visual da comunicação, como instrumento de exercício do poder, de dominação social, existe em todas as sociedades onde há classes sociais. Ou seja, onde a desigualdade social se faz presente devido à divisão social do trabalho, principalmente a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual.
Na sociedade feudal, o poder da nobreza sobre os servos se vinculava à aparência de superioridade construída pelos nobres, através do uso de peças sofisticadas de vestuário, de moradias com estilos arquitetônicos imponentes, de festas suntuosas etc. A “sociedade do espetáculo” é uma fase específica da sociedade capitalista, onde existe uma interdependência entre o processo de acúmulo de capital e o processo de acúmulo de imagens. Mas, não só nessa forma de vida social ocorre a produção de espetáculos ou de poder espetacular.
Assim, a obsessiva “necessidade de aparecer”, uma armadilha do ego, é instigada na “sociedade do espetáculo” pela busca de visibilidade ou exposição pessoal – p.ex. nas redes sociais –, capaz de gerar à “figura exibida” um poder espetacular nas relações interpessoais e mercadológicas. Pois, é impraticável a separação entre essas relações sociais e as relações de produção e consumo de mercadorias.
Mas, a “sociedade do espetáculo” não pode ser interpretada como o poder que as imagens exercem na sociedade contemporânea. Para Debord (1967), o “espetáculo” é o conjunto das relações sociais mediadas pelas imagens, que vão das relações interpessoais à política, passando pelas manifestações religiosas, tudo está mercantilizado e envolvido por imagens direcionadas pelo marketing.
O ápice do frenesi da “necessidade de aparecer” é mais intenso em juvenil, porque a imaturidade ofusca a realidade e retarda a conscientização de si. Mas, não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência (Karl Marx, 1996), pois internalizamos o mundo mediado por um sistema de conceitos produzido socialmente nas relações materiais entre os homens: “[...] o homem é uma pessoa social. Um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo” (Vigotski, 1997).
O cúmulo da egolatria movida pela “necessidade de aparecer” se mostra quando alguém posta uma fotografia em redes sociais com a legenda: “Dizem que ela/ele só quer ser, mas, o pior é que é”. Trata-se de alguém que carrega em si um buraco negro emocional; uma “criança interior adoecida”, que se entorpece de likes e de “contatinhos”, para dissimular a falta de amor-próprio, a insegurança, a baixa autoestima, a frustação consigo, o apego às futilidades, a tristeza e o medo da rejeição, que amálgama o eu no vazio.
Em muitos casos, a tresloucada “necessidade de aparecer” na “sociedade do espetáculo”, ou o regozijo do ego, torna-se algo patológico, gerando uma inversão entre “valor” e “preço”, onde se faz de tudo para ser visto – incluindo a mercadorização do próprio corpo, para saciar o desejo de ser notado, idolatrado ou destacado independente do custo. Na sociedade do espetáculo a “necessidade de aparecer” traz incalculáveis prazeres quanto incontáveis riscos ao ser egoico.