No Brasil, é muito comum ouvir, sempre que estamos em ano eleitoral (e não somente em eleições municipais), diversas reclamações populares sobre as péssimas condições de sobrevivência nas cidades, a baixa qualidade das gestões públicas (ou descaso administrativo), o conluio (ou corrupção) de representantes legislativas após serem eleitos, etc.
O fato é que, a maioria dos municípios brasileiros, tanto o Executivo e quanto o Legislativo, tem carência, respectivamente, de gestores e de representantes mais qualificados e comprometidos com um projeto de gestão pública participativa, visando um desenvolvimento socioeconômico das cidades e o bem-estar da sociedade. Não necessariamente que sejam uns “expert diplomados”, pois um ex-metalúrgico, o atual presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, até 2020, foi condecorado como doutor honoris causa 36 vezes.
Nessa seara, um tema que sempre vem ao debate público, em tempos de eleições, é a discussão trivial de quem seria melhor gestor para administrar uma cidade/município. Na verdade, isso é algo que subjaz, no Brasil, por um lado, o preconceito de classe e, por outro lado, a prepotência de “alfabetizados”, para domesticar o analfabeto político. Não é que a formação superior seja irrelevante, mas que uma gestão pública de qualidade não se realiza apenas com títulos.
Em geral, a questão não é debater sobre “um bom gestor”, mas se é o lavrador ou o doutor; se é o analfabeto ou quem tem um diploma de curso superior. É óbvio que, governar tem relação com conhecimento e experiência. Mas, para além da visão comparativa e do discurso preconceituoso, o princípio básica para administrar/gerir uma cidade/município é conhecer a realidade local/dos nativos e as principais demandas da população.
Em O Príncipe – ou a política como realidade –, Nicolau Maquiavel (1469-1527) diz que o “bom governo” tem relação com a “virtude”. A virtude é uma qualidade do governante, que é diferente da virtude da população, do povo. Pois, enquanto os indivíduos agem em interesses próprios, o príncipe (ou governante) deve agir com princípios e decoro, objetivando a harmonia e a paz em seus governo e território.
Quando alguém se presume como “bom” para ser o governador, o prefeito, o deputado ou senador, por ser pobre e humilde, ou por ser bem educado e ter curso superior, está desvirtuando a noção de um “governo virtuoso”. Por um lado, apela-se para a síndrome do coitadismo e, por outro lado, busca-se manipular o analfabeto político. A obra “O príncipe” descreve como o governante deveria agir e quais virtudes deveria ter, para conquistar e manter-se no poder, aumentando as suas conquistas.
No Brasil, esse tipo de debate não é irrelevante da perspectiva sociológica, pois esconde questões importantes, tais como: o analfabetismo político, que gera a baixa qualidade do voto; a venda do voto, que estimula a corrupção; os partidos de aluguel, que aumenta o descrédito na política etc. Desse modo, uma escolha mal feita pelo eleitor, sem o devido comprometimento com o bem-estar da coletividade, sempre resultará numa insatisfação social permanente.
Portanto, não é a condição social ou o grau de escolaridade de alguém que o faz digno ou preparado para governar uma cidade, mas a virtude. Segundo Maquiavel, a Virtù é a capacidade do príncipe/governante para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para conquistar e dominar a Fortuna.
Nesse sentido, um lavrador ou um doutor pode ser um “bom governante” e administrar bem uma cidade, desde que tenha por princípios morais e éticos – e não por diplomas – o comprometimento político com as demandas da população.