Nas últimas décadas, a energia foi o eixo invisível em torno do qual giraram as maiores decisões geopolíticas do planeta. Petróleo, gás natural e carvão moldaram guerras, alianças e economias. Agora, o mundo vive uma transição histórica: da matriz fóssil para uma matriz limpa. Trata-se não apenas de uma mudança tecnológica, mas de uma reconfiguração profunda do poder econômico e político global.
Em meio a esse movimento, o Brasil se encontra em uma posição rara: detém uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com potencial abundante em hidrelétricas, eólica, solar e biocombustíveis. Mas será que estamos aproveitando essa vantagem? Ou, mais uma vez, perderemos a chance de transformar nossa abundância natural em liderança econômica?
A Transição Energética Não É Apenas Ecológica – É Econômica e Geopolítica
A agenda de descarbonização das economias, antes restrita aos fóruns ambientais, tornou-se um imperativo econômico e estratégico. A União Europeia, os Estados Unidos, a China e diversas potências anunciaram metas de neutralidade de carbono para as próximas décadas. Essa transição está provocando uma mudança tectônica no sistema de produção global, com forte impacto sobre cadeias industriais, políticas de subsídio, inovação tecnológica e, naturalmente, o comércio internacional.
As nações que dominarem as tecnologias verdes – baterias, hidrogênio verde, captura de carbono, energias renováveis – definirão os rumos da nova economia. Essa corrida já começou, e está sendo liderada por países que enxergam a sustentabilidade não como um freio ao crescimento, mas como a próxima fronteira do desenvolvimento econômico.
Enquanto isso, países altamente dependentes de combustíveis fósseis enfrentam riscos de obsolescência. O Oriente Médio, por exemplo, já discute estratégias para diversificar suas economias, diante da possibilidade de que o petróleo perca relevância como ativo geopolítico.
O Brasil Tem Vantagens Naturais. Mas Isso Não Basta.
Com mais de 80% da eletricidade gerada a partir de fontes renováveis, o Brasil é uma anomalia positiva no cenário global. Mas nossa vantagem não é apenas energética – ela é econômica e estratégica. O mundo buscará, nos próximos anos, parceiros confiáveis e sustentáveis para produzir alimentos, energia limpa e insumos industriais de baixo carbono. O Brasil pode ser esse parceiro.
Nosso território abriga:
• Um dos maiores potenciais solares e eólicos do mundo;
• Reservas estratégicas de minerais críticos (como o lítio, essencial para baterias);
• Biomas que podem se tornar ativos econômicos via mercados de crédito de carbono;
• Capacidade agrícola capaz de fornecer biocombustíveis em escala global.
A pergunta que se impõe, então, não é se temos potencial. A questão é: estamos organizando nossas políticas públicas, nossa infraestrutura e nossa diplomacia econômica para aproveitar essa nova ordem global?
Oportunidades Econômicas: Energia Limpa como Vantagem Competitiva
Países e empresas estão adotando padrões de rastreabilidade de carbono. Produtos com baixa emissão terão acesso preferencial a mercados desenvolvidos, e isso coloca o Brasil em posição privilegiada no agronegócio, na mineração e na indústria – desde que possamos comprovar a origem limpa da energia utilizada
Além disso, a produção de hidrogênio verde desponta como uma das grandes oportunidades da década. O Nordeste brasileiro, com sua combinação de sol e vento, pode se tornar um polo exportador para a Europa, que busca reduzir sua dependência do gás russo. O mundo quer comprar energia limpa – e o Brasil pode vender.
No entanto, transformar essa oportunidade em riqueza requer:
• Marcos regulatórios claros e estáveis;
• Infraestrutura logística e de exportação adaptada;
• Acordos comerciais inteligentes;
• Incentivos à inovação e à industrialização verde.
Sem essas condições, corremos o risco de ser apenas fornecedores de commodities sustentáveis para potências que deterão o controle da tecnologia, da cadeia de valor e da narrativa.
Os Riscos da Inércia e da Dependência de Matriz Fóssil
Embora a agenda verde avance globalmente, o Brasil ainda enfrenta dilemas internos. A recente reoneração de combustíveis, as oscilações nos subsídios a carros movidos a etanol e a expansão do pré-sal são exemplos de contradições entre discurso ambiental e política energética real.
Ademais, o país ainda gasta bilhões em subsídios a combustíveis fósseis, enquanto investimentos em inovação energética seguem tímidos diante do potencial disponível. Isso revela um risco de miopia estratégica: defender o presente, sacrificando o futuro.
Outra ameaça é a desarticulação federativa. Estados como Ceará e Piauí avançam na produção de hidrogênio verde, mas há pouca coordenação nacional. Sem uma política industrial e energética integrada, o Brasil pode virar um arquipélago de boas intenções desconectadas.
O Papel do Brasil na Nova Ordem Energética Global
A transição energética global está redefinindo alianças. O Brasil, com seu perfil de país megadiverso e renovável, pode exercer liderança internacional nos fóruns climáticos e nas negociações comerciais verdes.
No entanto, essa liderança precisa ser construída. Precisamos de:
• Diplomacia econômica ativa, para influenciar os critérios de taxonomia verde globais;
• Participação estratégica em cadeias de suprimentos de tecnologia limpa;
• Posicionamento firme nos fóruns internacionais, defendendo os interesses dos países em desenvolvimento.
Além disso, devemos romper com a ideia de que “sustentabilidade é custo”. Sustentabilidade é o motor do crescimento inteligente e do protagonismo econômico do século XXI.
A Janela Está Aberta, Mas Não Ficará Para Sempre
A transição energética não é uma opção – é uma inevitabilidade. A única escolha real é quem lidera e quem segue. O Brasil tem os recursos, a posição geográfica, a biodiversidade e o conhecimento técnico para liderar. Mas ainda lhe falta uma estratégia nacional clara, estável e ambiciosa.
Estamos diante de uma encruzilhada histórica: podemos ser protagonistas da nova economia verde ou meros coadjuvantes. A energia limpa é, sim, um ativo. Mas para transformá-lo em desenvolvimento, riqueza e influência, é preciso visão de longo prazo, coragem política e articulação institucional.
Como já se disse, o futuro não é um lugar para onde estamos indo — é um lugar que estamos construindo. E, quando se trata de energia, o Brasil tem tudo para construir o seu próprio caminho. Mas precisa começar agora.
Tonny Kerley, Ph.D., é economista, administrador e professor universitário. Atua com inovação, desenvolvimento regional e estratégias econômicas sustentáveis.
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