O Brasil enfrenta um dilema fiscal que opõe a necessidade de austeridade à busca por um crescimento econômico sustentável. De um lado, há pressão para equilibrar as contas públicas e reduzir o endividamento; de outro, há o imperativo de estimular a economia e melhorar o bem-estar social. A seguir, analisamos esse dilema em profundidade, abordando a situação atual das finanças públicas, os argumentos sobre responsabilidade fiscal e crescimento, os impactos das políticas fiscais nos indicadores econômicos, lições de outras economias emergentes, alternativas de políticas e os desafios futuros que exigem reformas estruturais.
Cenário Atual das Contas Públicas no Brasil
As contas públicas brasileiras vêm passando por ajustes importantes. Em 2024, o governo federal praticamente zerou o déficit primário – a diferença entre receitas e despesas antes dos juros da dívida. Houve um déficit primário de cerca de R$ 11 bilhões (aproximadamente 0,09% do PIB) excluídas despesas extraordinárias, resultado que ficou dentro da meta fiscal e representou uma redução de 81,7% em relação ao rombo registrado em 2023  . Esse ajuste expressivo foi alcançado apesar do aumento de gastos obrigatórios (como Previdência Social e benefícios assistenciais) e de despesas emergenciais com desastres naturais.
No entanto, mesmo com a melhora do resultado primário, a dívida pública brasileira permanece elevada. Dados do Banco Central mostram que a dívida bruta encerrou 2024 em torno de 76% do PIB, equivalente a aproximadamente R$ 9 trilhões. Isso indica um aumento na relação dívida/PIB ao longo do ano, reflexo principalmente dos altos encargos com juros. Ou seja, embora as “contas estejam em dia” no curto prazo, o endividamento público ainda cresce. Esse cenário reflete o peso dos juros elevados no serviço da dívida e evidencia que equilibrar as finanças públicas vai além de alcançar superávit primário – é preciso também reduzir gradativamente o custo da dívida para estabilizar a trajetória do endividamento.
O contexto atual, portanto, é de déficit primário controlado, mas com dívida pública elevada e custos financeiros significativos. O Brasil adotou em 2023 um novo arcabouço fiscal (regra fiscal) para substituir o antigo teto de gastos, visando dar sustentabilidade às contas: essa regra limita o crescimento anual das despesas a 70% do aumento das receitas do ano anterior, combinando um limite de gasto flexível com metas de resultado primário. A meta para 2024 era déficit zero. Assim, o país está em um momento de ajuste fiscal gradual, tentando conciliar responsabilidade fiscal com espaço para políticas públicas prioritárias.
Responsabilidade Fiscal vs. Crescimento Econômico
A relação entre responsabilidade fiscal e crescimento econômico é complexa e gera debates acalorados. Defensores da austeridade fiscal argumentam que manter as contas públicas sob controle é condição fundamental para um crescimento saudável a longo prazo. Os argumentos a favor incluem:
•Estabilidade macroeconômica: Déficits crônicos e dívida em alta podem minar a confiança dos investidores, elevar prêmios de risco e pressionar a inflação. Ajustar as contas sinaliza comprometimento com a estabilidade, criando um ambiente propício aos negócios e investimentos.
•Juros mais baixos no futuro: Com finanças equilibradas, o governo depende menos de endividamento, reduzindo a necessidade de juros altos para atrair financiadores. Isso tende a baixar a taxa básica de juros ao longo do tempo, estimulando o crédito e a atividade econômica.
•Evitar crises fiscais: A história econômica mostra que a falta de disciplina fiscal pode levar a crises severas – moratórias, hiperinflação ou necessidade de ajustes abruptos. Austeridade preventiva busca evitar esses cenários, garantindo crescimento sustentável em vez de um boom insustentável seguido de colapso.
Por outro lado, críticos da austeridade alertam que uma política fiscal excessivamente contracionista pode sufocar o crescimento econômico, especialmente em momentos de atividade fraca. Seus argumentos ressaltam que:
•Impacto contracionista: Cortes de gastos públicos e aumentos de impostos reduzem a demanda agregada. Em recessões ou recuperações fragilizadas, a austeridade pode agravar a contração econômica, derrubando investimentos e emprego. Assim, o remédio fiscal forte demais pode adoecer ainda mais a economia.
•Efeito perverso sobre a dívida: Se a austeridade derruba o crescimento do PIB, a relação dívida/PIB pode piorar apesar do ajuste, pois o denominador (PIB) encolhe. Além disso, arrecadações menores decorrentes do baixo crescimento anulam parte do ganho fiscal dos cortes – um ciclo vicioso onde austeridade piora as próprias finanças que pretendia arrumar .
•Custos sociais e de longo prazo: Contenção de gastos em áreas-chave (educação, saúde, infraestrutura) pode comprometer o desenvolvimento futuro, ao prejudicar a formação de capital humano e a produtividade. Há risco de perder uma geração de investimentos necessários para o crescimento de longo prazo em nome de metas fiscais de curto prazo.
Esses pontos de vista opostos refletem a tensão entre, de um lado, evitar desequilíbrios fiscais que possam desestabilizar a economia e, de outro, evitar sufocar a atividade econômica e o bem-estar social em nome do ajuste. No Brasil, esse debate ganhou força especialmente após 2015: após um ciclo de expansão dos gastos e desonerações no início da década de 2010, o país enfrentou uma grave recessão (2015-2016) seguida de medidas de austeridade – como a Emenda Constitucional 95 do teto de gastos. A partir daí, a inflação caiu e a dívida se estabilizou momentaneamente, mas o crescimento foi pífio na segunda metade da década de 2010. Críticos afirmam que a estratégia de ajuste foi longe demais, retardando a retomada; já os defensores alegam que sem as reformas e controles adotados a situação fiscal teria fugido do controle, inviabilizando qualquer crescimento sustentado. Em resumo, a responsabilidade fiscal é amplamente reconhecida como necessária, mas o ritmo e a composição do ajuste fazem toda diferença para os resultados econômicos.
Impacto das Políticas Fiscais na Inflação, Juros e Investimentos
A política fiscal exerce forte influência sobre variáveis macroeconômicas essenciais, como inflação, taxa de juros e nível de investimentos. No caso brasileiro, essa influência é sentida de diversas formas:
•Inflação: Um governo com gastos muito acima de suas receitas pode acabar recorrendo à emissão de moeda ou a endividamento excessivo, o que historicamente já alimentou surtos inflacionários. No Brasil dos anos 1980, déficits financiados pelo Banco Central precipitaram hiperinflação. Hoje, com o regime de metas de inflação, a influência é mais indireta: um descontrole fiscal eleva a demanda agregada além do sustentável ou gera desconfiança sobre a dívida, pressionando o câmbio e as expectativas de inflação. O Banco Central então reage subindo a taxa de juros para conter os preços. Ou seja, laxidade fiscal tende a exigir uma política monetária mais rígida para manter a inflação na meta.
•Taxa de juros: Quando a dívida pública é alta e cresce rapidamente, os credores exigem juros maiores para continuar financiando o Tesouro, devido ao prêmio de risco. Além disso, como mencionado, o Banco Central mantém juros básicos elevados se perceber que a política fiscal está expansionista demais. O Brasil vivenciou isso recentemente: mesmo com a melhora do resultado primário em 2024, os juros permaneceram altos, em parte porque a dívida ainda não entrou em trajetória declinante. Analistas chegaram a discutir o risco de dominância fiscal, quando a necessidade de financiar a dívida “força” a manutenção de juros elevados e dificulta o combate à inflação . De fato, economistas apontam que atualmente o principal fator de aumento da dívida pública brasileira são os juros elevados, mais do que novos gastos do governo. Como observou a economista Juliane Furno, “o culpado pelo aumento da dívida pública não é o gasto do governo… o que está contribuindo para aumentar a dívida são os juros” . Em outras palavras, enquanto a taxa Selic estiver em patamares elevados, a dívida cresce pelo efeito dos juros compostos, mesmo com déficit primário zero – um verdadeiro peso morto sobre o orçamento, já que o governo precisa reservar dezenas de bilhões de reais todos os anos para pagar juros aos detentores de títulos.
•Investimentos: A relação entre política fiscal e investimentos (públicos e privados) é delicada. Por um lado, quando o Estado sinaliza solvência fiscal, isso aumenta a confiança na economia, reduz incertezas e tende a baixar os juros de longo prazo, criando um ambiente mais favorável ao investimento privado. Além disso, se o governo gasta menos com juros da dívida, abre espaço no orçamento para investimentos públicos produtivos (infraestrutura, tecnologia, capital humano) que elevam a produtividade geral. Por outro lado, se o ajuste fiscal é feito cortando fortemente investimentos públicos, pode faltar justamente o estímulo ou a infraestrutura necessários para destravar o investimento privado – há risco de “arrocho” do investimento. No Brasil, o investimento público foi uma variável de ajuste nas crises fiscais passadas, levando a décadas de baixo investimento em infraestrutura. Ademais, juros altos encarecem o crédito e desestimulam tanto as empresas quanto as famílias a investirem (seja na expansão do negócio, seja na compra de bens duráveis, imóveis etc.), freando o crescimento. Em contraste, uma política fiscal contracíclica bem calibrada – ou seja, que eleva investimentos públicos em momentos de fraqueza da demanda privada e faz poupança em tempos de boom – pode estimular o crescimento e até melhorar a razão dívida/PIB no longo prazo, ao elevar o PIB potencial. O desafio está em encontrar o equilíbrio: um Estado que gasta de forma eficiente em projetos de alto retorno social e econômico, mas sem gastar além do que arrecada de forma permanente.
Em suma, a política fiscal impacta a economia tanto via canal da demanda (influenciando consumo e investimento diretamente) quanto via canais das expectativas e confiança. No Brasil atual, a consolidação fiscal em curso deve ter como objetivo criar condições para juros mais baixos e inflação sob controle duradouro, fatores imprescindíveis para um ambiente de investimento mais robusto. Contudo, a transição nem sempre é suave: no curto prazo, juros altos impostos para conter a inflação (em parte fruto de passados desequilíbrios fiscais) atuam como freio ao investimento e lembram que a coordenação fina entre política fiscal e monetária é fundamental para que uma não anule os efeitos benéficos da outra.
Comparações com Outras Economias Emergentes
A experiência brasileira não é única – muitos países emergentes enfrentaram (ou enfrentam) dilemas semelhantes de ajustar as contas públicas sem estrangular o crescimento. Comparar esses casos oferece lições valiosas:
•Argentina – o alerta do desequilíbrio crônico: O caso argentino ilustra os riscos de ignorar a disciplina fiscal. A Argentina teve déficits fiscais crônicos por décadas; entre 1961 e 2022 houve superávit em apenas 6 anos . Esse histórico de irresponsabilidade contribuiu para várias crises: inflação persistentemente alta (chegando a 143% ao ano em 2023) e sucessivos defaults da dívida. Governos financiaram gastos excessivos com impressão de moeda e endividamento externo, gerando desvalorização cambial e corrosão do poder de compra dos salários. O resultado tem sido estagnação econômica e pobreza em massa, com perdas severas de credibilidade. A lição argentina é clara: quando a austeridade nunca é praticada, o resultado não é crescimento próspero, mas sim caos econômico. Eventualmente, a realidade se impõe e ajustes drásticos tornam-se inevitáveis, normalmente com custo social muito maior do que teria sido um ajuste gradual e preventivo.
•Chile – disciplina fiscal de longo prazo: Em contraste, o Chile é frequentemente citado como um exemplo de gestão fiscal prudente entre emergentes. Desde o começo dos anos 2000, os chilenos adotaram uma regra fiscal contracíclica: em 2001 instituíram a meta de superávit primário estrutural de 1% do PIB (reduzida para 0,5% após 2009) . Isso significa que o orçamento anual é ajustado para descontar efeitos do ciclo econômico e do preço do cobre (principal commodity chilena), de modo a poupar em tempos de alta e poder gastar em tempos de baixa. Essa disciplina, com transparência e órgãos técnicos calculando o resultado estrutural, permitiu ao Chile manter dívida pública baixa (em torno de 30–40% do PIB) e acumular reservas nos anos de bonança. Nos momentos de choque, como a crise de 2008 ou a pandemia, o Chile teve espaço para gastar mais e estimular a economia sem perder o controle fiscal. O desempenho econômico chileno nas últimas décadas foi relativamente estável, com inflação baixa e crescimento moderado. Embora haja críticas (por exemplo, de que o crescimento poderia ter sido maior com investimentos sociais adicionais), o compromisso fiscal de longo prazo deu credibilidade ao país. A comparação com a vizinha Argentina – onde inflação e instabilidade são crônicas – ressalta o valor dessa conquista . Em suma, o Chile mostra que responsabilidade fiscal consistente pode andar de mãos dadas com crescimento, desde que haja boa governança e prioridades claras.
•Outros emergentes: Diversas outras economias emergentes situam-se entre esses dois extremos. O México, por exemplo, adotou políticas fiscais cautelosas desde os anos 1990, mantendo dívida pública moderada (em torno de 50% do PIB recentemente) e inflação sob controle. Essa estabilidade evitou crises, mas o crescimento mexicano tem sido modesto (cerca de 2% ao ano em média), sugerindo que só austeridade não basta – são necessárias reformas para elevar a produtividade. Já a Índia optou por tolerar déficits fiscais maiores, investindo pesado em infraestrutura e subsídios ao desenvolvimento; sua dívida pública é relativamente alta (~80% do PIB), porém a economia indiana cresceu rápido, o que ajudou a gerenciar esse peso. A África do Sul, por sua vez, entrou numa armadilha de baixo crescimento e dívida crescente: apesar de esforços de ajuste, a economia estagnada dificulta a redução do déficit, e a dívida ultrapassou 70% do PIB, levando agências de risco a rebaixar o crédito do país. Turquia e alguns outros emergentes experimentaram políticas fiscais mais populistas combinadas com monetárias heterodoxas, resultando em inflação elevada e volatilidade cambial – lembrando que confiança se perde facilmente quando a coerência macroeconômica é abandonada.
Em todos esses casos, fica evidente que não há solução simples. Cada país equilibra austeridade e estímulo de acordo com suas circunstâncias, e os resultados variam. Entretanto, padrões emergem: países que alcançaram maior sucesso econômico de longo prazo tendem a ter finanças públicas saudáveis (ou seja, dívida sob controle, déficit compatível com a capacidade de financiamento) e simultaneamente investimentos sólidos em capital físico e humano. Se faltar um desses pilares – estabilidade fiscal ou investimento/crescimento – o desenvolvimento fica incompleto.
Alternativas para Equilibrar Controle Fiscal e Desenvolvimento Econômico
Diante do dilema entre cortar gastos e investir para crescer, quais caminhos o Brasil (e economias similares) podem adotar para buscar um equilíbrio? Algumas alternativas de políticas se destacam:
•Reforma Tributária e Aumento de Receitas de forma Eficiente: Uma forma de melhorar o resultado fiscal sem prejudicar o crescimento é ampliar a arrecadação por meio de reformas tributárias. O Brasil já deu passos nessa direção com a reforma dos impostos sobre consumo (unificando tributos em um IVA nacional). Simplificar o sistema tributário, reduzir distorções e ampliar a base de contribuintes pode elevar a receita do governo sem aumentar excessivamente a carga sobre quem já paga. Além disso, combater a sonegação e rever renúncias fiscais pouco efetivas geram recursos adicionais. Receitas maiores aliviam a pressão sobre cortes de despesas e podem financiar investimentos estratégicos.
•Qualidade do Gasto Público: Mais importante que o tamanho do gasto é a sua qualidade. Há espaço para requalificar despesas: cortar subsídios improdutivos, eliminar desperdícios e direcionar recursos para áreas com alto retorno social. Isso implica realizar avaliações periódicas de programas públicos, priorizando aqueles que estimulam o crescimento inclusivo. Por exemplo, gastos com educação básica de qualidade, saúde preventiva e infraestrutura tendem a pagar a si mesmos no longo prazo via aumento de produtividade. Já despesas corporativas ou privilégios fiscais podem ser reduzidos sem impacto negativo na atividade. Melhorar a eficiência do Estado – fazer “mais com menos” – ajuda a conciliar ajuste fiscal com atendimento das necessidades da população.
•Regra Fiscal Flexível e Contracíclica: Adotar regras do jogo claras para a política fiscal, com flexibilidade ao ciclo econômico, é uma alternativa promissora. O novo arcabouço fiscal brasileiro já segue essa linha ao atrelar o crescimento do gasto à evolução da receita , evitando expansão excessiva em tempos de bonança, mas também impedindo cortes drásticos em recessões (há limites mínimos de crescimento real do gasto mesmo em cenários de contração do PIB). Essa abordagem permite uma atuação contracíclica moderada: o governo pode estimular a economia quando necessário, sem perder de vista metas de médio prazo para dívida/PIB. Outros mecanismos, como bandas para a meta fiscal (já previstas na lei) e fundos de estabilização (poupança em anos de alta de commodities, por exemplo), podem reforçar essa estratégia. Assim, busca-se credibilidade junto aos mercados e capacidade de reação em crises – um equilíbrio entre austeridade cega e gastança irresponsável.
•Foco em Investimentos Estruturantes: Uma alternativa ao corte linear de gastos é redirecionar despesas correntes para investimentos. Em vez de sacrificar totalmente o investimento público no altar do ajuste fiscal, o governo pode estabelecer uma espécie de “regra de ouro” onde despesas de capital (obras, equipamentos, inovação) sejam preservadas ou até expandidas, enquanto se contêm gastos de custeio menos essenciais. Isso pode ser feito, por exemplo, congelando temporariamente contratações ou reajustes salariais no serviço público (com exceção de áreas críticas), ao mesmo tempo em que se acelera a execução de projetos de infraestrutura. Outra via é parcerias público-privadas: atraindo capital privado para projetos de longo prazo, diminui-se o desembolso imediato do governo, sem deixar de realizar investimentos-chave. O importante é não abrir mão do futuro – equilibrar o orçamento cortando o que é supérfluo, e não aquilo que fará falta ao crescimento.
•Reformas Estruturais pró-crescimento: O ajuste fiscal torna-se muito menos penoso se a economia consegue crescer mais rápido. Para isso, reformas estruturais que aumentem a produtividade e a competitividade do país são aliadas do equilíbrio fiscal. O Brasil precisa avançar em reformas como a reforma administrativa, que modernize a estrutura do serviço público, tornando-o mais eficiente e menos custoso a longo prazo (sem significar apenas cortes, mas sim melhor gestão de pessoal). Da mesma forma, melhorar o ambiente de negócios – simplificando regulações, incentivando a inovação, investindo em capacitação da força de trabalho – pode elevar o crescimento potencial. Com mais crescimento, a arrecadação sobe naturalmente e a razão dívida/PIB tende a cair. Assim, políticas de oferta (lado produtivo) e políticas fiscais responsáveis se reforçam mutuamente, tirando o país do dilema de soma zero entre austeridade e crescimento.
Em conjunto, essas alternativas apontam para uma estratégia de ajuste inteligente: não se trata de gastar mais ou gastar menos, e sim de gastar melhor e arrecadar de forma mais justa. O equilíbrio fiscal e o desenvolvimento econômico podem andar juntos se as políticas forem desenhadas com visão de longo prazo, olhando além do imediatismo das metas anuais.
Reflexão Final: Desafios Futuros e a Necessidade de Reformas Estruturais
O dilema fiscal brasileiro – austeridade vs. crescimento – não tem solução fácil, mas é claro que equilibrar os dois objetivos será crucial para o futuro do país. A história econômica do Brasil e de outras nações mostra que pender demais para um lado traz consequências negativas: austeridade excessiva pode condenar a uma “década perdida” de crescimento baixo, enquanto gastança descontrolada leva a crises inflacionárias e colapsos financeiros. O caminho viável está no meio-termo, combinando responsabilidade fiscal com dinamismo econômico.
O Brasil terá de enfrentar vários desafios estruturais nos próximos anos. A população envelhecendo pressiona gastos previdenciários e de saúde, exigindo reformas para garantir a sustentabilidade desses sistemas. A dívida pública, no patamar atual (próximo a 75-80% do PIB), embora sob controle relativo, deixa pouco espaço de manobra diante de choques – é prudente reduzi-la gradualmente para reconquistar margens fiscais de resposta a crises futuras. Além disso, a taxa de juros real ainda elevada impõe custo alto ao orçamento; assim, persistir no esforço fiscal para permitir a queda dos juros é estratégico.
Por outro lado, o país clama por crescimento mais robusto para gerar empregos, aumentar a renda per capita e viabilizar a própria estabilização fiscal (afinal, uma economia estagnada torna o ajuste muito mais difícil). Para destravar o crescimento, serão necessárias políticas de aumento de produtividade: investimento em capital humano (educação de qualidade, qualificação profissional), investimento em infraestrutura logística e energética, estímulos à industrialização com inovação tecnológica, inserção competitiva no mercado global, entre outras medidas. Essas agendas não são contraditórias com a responsabilidade fiscal – ao contrário, são complementares. Um Estado mais eficiente e focado em suas prioridades pode simultaneamente gastar menos (em desperdícios) e fazer mais (em políticas pró-crescimento).
Em conclusão, o dilema fiscal brasileiro não se resolve escolhendo austeridade ou crescimento como caminhos excludentes. O desafio está em alinhar a sustentabilidade fiscal com o desenvolvimento econômico. Isso requer liderança política e planejamento de longo prazo: prosseguir com reformas estruturais (tributária, administrativa, pactuação federativa de gastos), aprimorar os mecanismos fiscais vigentes (avaliando periodicamente a regra do arcabouço, as metas e bandas, a transparência fiscal) e, sobretudo, ter a coragem de investir no futuro mesmo enquanto se faz ajustes no presente.
O Brasil já mostrou em diferentes momentos a capacidade de superar crises fiscais e também de engatar ciclos de crescimento – porém, muitas vezes não conseguiu combinar as duas coisas de forma duradoura. Olhando adiante, a necessidade de reformas estruturais é inescapável para quebrar o ciclo de “voos de galinha” (crescimentos curtos seguidos de queda). Com instituições sólidas, contas públicas em ordem e um ambiente macroeconômico estável, o país terá condições de atrair investimentos e inovar, promovendo um crescimento sustentável que se retroalimenta positivamente com a responsabilidade fiscal. Esse é o caminho para que o dilema se transforme em uma sinergia: estabilidade garantindo confiança para crescer, e crescimento gerando recursos para manter a estabilidade. Em última instância, austeridade e desenvolvimento não precisam ser inimigos – o objetivo comum é assegurar prosperidade econômica com equilíbrio, para esta e as futuras gerações.
Tonny Kerley, Ph.D., é economista, administrador e professor universitário, especialista em comportamento do consumidor e análise de mercado.
Sexta, 14 de março de 2025, 21:44
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COLUNA
O Dilema Fiscal Brasileiro: Austeridade vs. Crescimento Sustentável
Por Tonny Kerley, Ph.D.
- Quinta, 27/02/2025 às 17:52 | Atualizada em 14/03/2025 às 10:53
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Tonny Kerley
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