O voo 254 da extinta companhia aérea Varig, ocorrido em 1989, é lembrado até hoje como um dos acidentes mais surreais da aviação brasileira, sendo um exemplo clássico de erro humano. O Boeing, que realizava diversas escalas, fez sua penúltima parada em Marabá, no Estado do Pará e deveria concluir seu trajeto na capital Belém. Contudo, no momento de ajustar os instrumentos de navegação antes da decolagem, um erro crucial foi cometido: os comandantes configuraram a rota em 270º, em vez dos corretos 027,0º. Uma vírgula a menos desviou a aeronave para o vasto território da Floresta Amazônica, longe de seu destino real. Após consumir todo o combustível, o avião foi obrigado a realizar um pouso forçado no meio da noite. O saldo foi trágico: 12 mortes, 17 feridos graves e sobreviventes marcados pelo trauma.
A analogia entre aviões e governos é frequentemente utilizada por professores e palestrantes para explicar a complexidade das gestões econômicas. Na metáfora, as aeronaves simbolizam a nação; os pilotos, os governantes; e os passageiros, os cidadãos contribuintes, que esperam uma viagem segura e eficiente – ou, em termos práticos, bons serviços e estabilidade.
Na semana passada, o Brasil enfrentou mais uma turbulência econômica. O dólar atingiu níveis alarmantes, quebrando recordes históricos e deixando os analistas de mercado atônitos. O horizonte econômico tornou-se carregado e incerto. O céu financeiro, definitivamente, não era de brigadeiro.
Em meio ao cenário caótico, chamou a atenção, também, o comportamento mórbido de alguns "passageiros" dessa imensa nave chamada Brasil. Em vez de torcerem para que os pilotos corrigissem o curso e estabilizassem a viagem, muitos se comprazem com a crise, desejando que o dólar subisse ainda mais ou que o recém-aprovado Pacote Fiscal fracassasse. Políticos extremistas de oposição, em declarações públicas, pareciam preferir o caos à recuperação. Espalharam, nas redes sociais e afins, fake news com o objetivo de amplificar uma crise já sem precedentes.
No caso do voo 254, mesmo que os passageiros soubessem, ainda durante a viagem, do erro primário do comandante, é certo que torceriam uníssonos para que o piloto e o copiloto encontrassem uma forma de pousar o avião com o mínimo de danos. Ninguém lançaria maldições ou desejaria que falhassem ainda mais.
E quanto ao Brasil? Não deveríamos adotar a mesma postura? Afinal, todos estamos a bordo desta gigantesca aeronave. A questão não é apenas quem está no comando hoje, mas o fato de que o destino do voo impacta a todos. Podemos e devemos apontar os erros e, até “postar memes” irônicos, mas torcer pelo fracasso é, no fim das contas, desejar que a própria aeronave colida, levando-nos todos juntos. Tecer críticas ao CPF, sim. Rogar maldições ao CNPJ, nunca.
O voo do Brasil, sob o comando da atual tripulação, ainda não chegou ao seu destino. Como passageiros dessa jornada, não cabe a nós forçar um pouso, mas torcer para que o rumo seja ajustado. Teremos muitas oportunidades de trocar os comandantes por meio do voto, se necessário, mas, até lá, seguimos todos na mesma aeronave, compartilhando os mesmos riscos e aspirações.
"Deixamos a todos com a esperança de que isso não passe de um susto para todos nós. Que tenhamos todos um bom final."
A mensagem acima foi a última tentativa do piloto do Varig 254 para acalmar seus passageiros, antes de colapsar no denso e frio domingo na imensidão da floresta. Poderia, contudo, ter sido perfeitamente transportada para os dias atuais e usada para arrefecer o nervosismo do mercado econômico brasileiro na última quarta-feira, afinal das contas, seja um piloto no cockpit do avião, ou a autoridade monetária no gabinete econômico, ambos estarão sempre imbuídos na esperança de encontrar o caminho certo, quando tudo parecer estar perdido.
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