Consultando recentemente meus alfarrábios deparei-me com um exemplar esquecido de um livreto com o título Teoria da Decisão. Um dos meus últimos crimes intelectuais, que carreguei de algum canto inóspito por onde já perambulei. Antes mesmo de usufruir do produto do delito, veio-me à mente aquela frase de efeito, digna de ser estampada em letras garrafais em qualquer tratado sobre moralidade flexível: “Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.” Esbocei um riso cínico de canto de boca, enquanto lembrava da cara do "amigo" vítima.
Para quem ainda não entendeu o prolegômeno desta crônica — e eu entendo, a palavra “prolegômeno” não é exatamente popular — confesso, sem o menor pudor, que usurpei um livro. Mas convenhamos: há crimes e há crimes. Este, em particular, tem um viés charmosamente intelectual. Um furto digno de encômios, se me permitem a ousadia. Ah, se os maiores delitos dos nossos empresários fossem a apropriação indevida de obras literárias, e não os habituais crimes fiscais que solapam nossa já combalida economia.
Imagine só: políticos sendo levados à masmorra por se apoderarem de Monteiro Lobato, Paulo Coelho ou, para os mais audaciosos, A Arte da Guerra. Seria quase poético. Aliás, li certa vez — não me pergunte onde, talvez num guardanapo de bar — que um livro não lido não pertence a quem o comprou. O exemplar ainda é do autor. Só após a leitura completa é que o crime se consuma: o livro passa a pertencer, de fato, a quem o adquiriu. Portanto, se é para roubar, que se roube com esmero. Que se leia até a última vírgula.
Não sou um leitor assíduo, confesso. Principalmente daqueles livros longos, arrastados, que se perdem em suas próprias prolixidades. Ainda assim, movido por um impulso quase heroico, decidi ir além do título e folhei algumas páginas após o prefácio. Um feito digno de nota, considerando as palavras ácidas do jornalista Diogo Mainardi — aquele que não economiza veneno — ao afirmar que “ a leitura é um fetiche nacional, ao qual atribuímos grande importância, desde que sejam os outros a ler.” Senti-me representado. Mas fui além. Um pequeno passo para mim, um salto para a estatística nacional.
Herbert Simon, considerado o pai do processo decisório, afirma em Teoria da Decisão (2007) que uma das limitações para a tomada racional de boas decisões são os “valores e motivações pessoais que nem sempre coincidem com aqueles da organização em que nos inserimos como tomadores de decisão.” Simon se referia principalmente a empresas públicas e privadas. Mas por que não aplicar esse enunciado aos gestores brasileiros, em todos os seus níveis — federal, estadual, municipal?
Nos últimos tempos, as motivações pessoais nas gestões públicas parecem cada vez mais distantes das demandas coletivas. Interesses privados suplantam qualquer vestígio de compromisso com o povo. Nossos governantes têm, cada vez mais, decidido em causa própria. As tribunas dos legislativos, outrora espaços de fala em defesa dos muitos, também, tornaram-se ringues em defesa de CPF’s específicos. A corrupção, apesar das variadas formas de compliance e da atuação dos órgãos de fiscalização, segue corroendo nosso ativo público com apetite voraz.
Desde a tão decantada abertura política brasileira, já somamos quatro presidentes presos. Nenhum deles foi ao cárcere por roubar um "best-seller" de ampla tiragem. Todos presos por rasgar a Carta Magna e, no fim das contas, quando se veem enclausurados, recorrem — ainda que nas entrelinhas — ao Livro dos Livros, evocando o versículo: 'Quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra' (João 8:7)." É nesse instante que volto a lembrar de meu próprio delito. Um único livro. E mesmo assim, não hesitaria em tentar acertar o alvo!

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