Vou perguntar, baseado em Clarice - Gestão Sumária
Quinta, 10 de outubro de 2024, 08:50
COLUNA

Vou perguntar, baseado em Clarice

Por Maurício Lopes.

A célebre escritora e poetisa ucraniana-brasileira, Clarice Lispector, disse certa vez: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Apesar de sua morte em 1977 — há 47 anos — suas palavras ainda ecoam com força, especialmente quando ampliamos essa reflexão para além do indivíduo, contemplando questões de gestão pública e os rumos que nossos governantes dão aos temas de interesse coletivo.

Recentemente, vi uma notícia que circulava nos meios de comunicação sobre uma paciente à espera de um transplante de fígado no Rio de Janeiro. O procedimento, que deveria ser motivo de alívio, quase se transformou em tragédia. O motivo? A cidade, famosa por suas paisagens deslumbrantes e igualmente conhecida pela violência, estava em meio a mais um confronto armado entre facções e forças de segurança. “Ela esperava por uma doação de fígado há 3 meses e quase não conseguiu chegar a tempo por causa de um tiroteio", relatou a matéria.

Outro problema crônico, mas dessa vez no sertão nordestino, é a dependência de carros-pipa. Em 2023, mais de 16 milhões de brasileiros no semiárido receberam água por meio desse recurso. O investimento totalizou cerca de R$ 542,4 milhões, com R$ 533,4 milhões destinados à execução da operação e quase R$ 9 milhões para monitoramento. Embora seja uma resposta imediata, os carros-pipa também são alvo de críticas, simbolizando a incapacidade histórica de resolver a escassez de água de forma estrutural, mesmo em regiões com um potencial lençol freático rico, como é frequentemente apontado.

Esses dois problemas — a violência urbana no Rio de Janeiro e a seca no Nordeste — são apenas exemplos de questões antigas e enraizadas no Brasil. E o mais alarmante: já não parecem ser "privilégios" dessas regiões, pois os desafios se espalham e perpetuam pelo país. Aqui, a reflexão de Clarice ressurge com força: por que não resolver esses problemas de uma vez por todas? Por que não cortar esses "defeitos"? Quem se beneficia deles? Quem sustenta seus edifícios à custa do colapso moral e social de tantos? Talvez seja perigoso, até mesmo fazer essas perguntas.

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