Poucas vezes, nesse embate homérico entre as já consagradas esquerda e direita no Brasil, houve convergência entre essas duas alas em qualquer cenário que se possa lembrar. No entanto, no recente embate jurídico envolvendo a aceitação ou não da denúncia sobre o suposto "Golpe de Estado" perpetrado ano passado, ambos os lados estavam uníssonos e previamente conscientes do desfecho: a denúncia seria aceita. Foi como assistir a um jogo, cujo placar já tivesse sido antecipadamente divulgado.
Os operadores do direito, jornalistas e políticos tinham, por razões profissionais, interesse em acompanhar o julgamento. Já para nós, meros mortais – e aqui me incluo – restava a tentativa de extrair algum ensinamento. Talvez captar algo útil para os debates acalorados do fim de semana nos bares das esquinas ou nos encontros em família. Ao brasileiro comum, apesar de ser o responsável direto pela escolha dos mandatários do país, em decisões como esta, resta apenas acompanhar de longe, limitando-se a tecer opiniões nas redes sociais – para o bem ou para o mal.
Embora o julgamento tenha sido marcado por extensos e enfadonhos discursos, por um juridiquês quase indecifrável e pela costumeira prolixidade dos votos, não deixou de ter seus momentos de comicidade. O debate, que deveria ser estritamente técnico, flertou algumas vezes com a narrativa popular, tornando-se mais didático e atraente para o público leigo. O ministro Flávio Dino, por exemplo, destacou-se ao resgatar "lendas políticas" do Maranhão, seu estado natal, conferindo uma informalidade inusitada ao julgamento. Em meio a argumentos jurídicos densos, citou uma figura folclórica conhecida como Bota Pra Moer, fez referência ao recente e vexatório desempenho da Seleção Brasileira e, para surpresa geral, até mesmo mencionou o cantor Michael Jackson.
Já no primeiro dia do julgamento, durante as sustentações orais das defesas, um renomado advogado recorreu a uma referência mais erudita, citando Shakespeare para ilustrar a recepção que teve no STF. Ele mencionou uma passagem da Cena 2, do Ato II de Hamlet, na qual o protagonista pede a Polônio que receba bem um grupo de atores itinerantes. Polônio, inicialmente, sugere tratá-los conforme merecem, mas Hamlet o corrige:
"Trate-os melhor. Se tratarmos as pessoas como merecem, ninguém escapa do chicote."
A citação serviu para demonstrar a galhardia com a qual o advogado foi tratado pela Suprema Corte, sem qualquer açoite, ainda que ele próprio sugerisse merecê-lo. Foi, no fundo, apenas uma maneira lúdica de expressar gratidão pela recepção. No entanto, a referência shakespeariana me levou a uma outra reflexão: quem estaria imune ao chicote, se os chicoteadores tivessem que poupar somente aqueles que não são movidos por interesses escusos e estritamente pessoais nessa extremista e abominável briga pelo poder no Brasil nos últimos tempos? No fim das contas, se a justiça do açoite fosse realmente implacável, acabariam todos açoitados.
A cada dia que passa, particularmente, me sinto mais desacreditado quanto à possibilidade de um itinerário que leve ao melhoramento da situação política, econômica e social no Brasil nos próximos anos, diante da polarização, que tem levado o país a um eterno "Brasil versus Argentina". E se algum entusiasta, de qualquer cor partidária, tentar me convencer de que teremos, a curto prazo, a paz necessária para dar um mínimo de lucidez ao manicômio que se tornou a cena política no Brasil, invocaria o folclórico "Bota pra moer", do Maranhão de Flávio Dino, e suplicaria, incrédulo: "Arrumem um mais doido do que eu." A propósito, há momentos em que só vislumbro duas maneiras de sair sem sequelas do ringue ideológico que tem açoitado o intenso debate político brasileiro: rir ou fingir-se de doido.
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