Quando um novo ano desponta no horizonte, sempre surgem promessas de renovação e novas esperanças. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, que tão bem capturou a essência desse rito de passagem, podemos dizer que: "Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial, industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão." Drummond, com seu olhar sempre atento, traduzido num misto de melancolia e reflexão, via o futuro como um caminho cheio de pedras inevitáveis — aquelas que nos fazem tropeçar, mas que também nos ensinam a levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Fernando Pessoa, por sua vez, preferiu ir além e transformou o adeus definitivo na eufemística afirmação: "Morrer é a curva da estrada." Que frase poderosa, para darmos vida, e adaptá-la ao final de ano! Seguimos nossa viagem, mesmo que nossos passos desapareçam da vista dos que ficam. É como um ano velho, que vai embora sumindo no horizonte de uma estrada tortuosa, enquanto seguimos firmes, traçando novos caminhos à nossa frente.
Conectando-se mais aos poetas que cantam a vida em notas e versos, falemos de Belchior, por exemplo, que transformou os finais de ano, nos fazendo trocar o já cansado e melancólico refrão — "Adeus ano velho, feliz ano novo..." — por algo mais visceral e inspirador: "Ano passado morri, mas esse ano eu não morro." Aliás, Belchior, certa vez, quis desaparecer como um ano que se esvai. Abandonou seu automóvel em um aeroporto e sumiu, mesmo sabendo ser impossível fazê-lo, posto que pessoas somem, mas suas obras nunca, e Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, o maior nome da MPB (brincou ele certa vez), dificilmente desapareceria sem deixar vestígios. Foi como disse Lima Duarte, na interpretação de Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro: "Quem some são os outros. A gente nunca..."
Contudo, deixando que 2024 se despeça com seus infortúnios e conquistas, a estrada da vida continua, cheia de altos e baixos, curvas e desvios inesperados. No final de cada ano, há sempre uma ladeira íngreme a subir, que exige esforço e nos sobrecarrega. Mas, ao alcançar o topo, nos deparamos com um novo ano, que se apresenta como uma descida, revigorando-nos e impulsionando-nos esperançosos para mais uma jornada. Em poucos dias, 2024 desaparecerá, dando lugar a uma nova jornada, uma nova vida, um novo futuro. Desejo que as mazelas deste ano que se vai sumam na curva da estrada, levando consigo as dores acumuladas pelas pedras que carregamos, e que possamos, enfim, deixar de sofrer aquilo que, porventura, sofremos no passado.Afinal, que seja um novo ano que valha a pena, "mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena". Que a esperança nunca se esgote, e que cada novo caminho trilhado nessa nova estrada nos leve mais perto de nossos sonhos. Feliz Ano Novo!
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